Entrevista ROBSON FRANCISCO LEITE
A capoeira é nossa
O professor diz que o esporte é 100% brasileiro , defende o fato de que nós deveríamos ser mais nacionalistas e ensina como vencer a discriminação

Conhecido na cidade de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, como professor Arisco, Robson Francisco Leite, pratica capoeira há 30 anos e após muita dedicação se tornou professor da Associação Abadá Capoeira. O significado de "abadá" pode até ser simples, um camisolão usado por uma tribo africana, mas essa simplicidade é esquecida quando se trata de um projeto que une educação e esporte e estimula jovens de diversas idades e comunidades carentes a terem uma melhor perspectiva de vida. Apaixonado pela capoeira desde os sete anos de idade, o professor an-grense se dedica a construir um futuro melhor não só para seus alunos, mas para a sociedade. É com esse objetivo que Arisco frequenta seminários, cursos, viaja por quase todo o Brasil e pretende rodar o mundo em busca de conhecimento. Foi na sede da Associação Abadá Capoeira, um centro de treinamento construído com muito esforço, em Angra dos Reis, que o professor concedeu a seguinte entrevista.
Como funciona o projeto Abadá? É com criança carente, com escolas, é pago, como é realizado?
Bem, nós iniciamos com trabalho voluntário, durante muitos anos, devido a divulgação do traba-lho hoje nós temos apoio da prefeitura municipal de Angra os Reis, temos a vereadora Vilma Santos que apóia nosso trabalho. Começou com dois grupos e hoje tem mais de quinze, com o apoio da prefeitura e da vereadora Vilma. Um dos objetivos do nosso trabalho é incentivar os jovens a estudar. São crianças de baixa renda, de comunidades bem carentes, fazemos prevenção con-tra drogas e preservação do meio ambiente. É um trabalho como um todo, o principal objetivo é contribuir pros jovens serem pessoas de boa índole na sociedade.
Ou seja, não é só a aula de capoeira? É toda uma ajuda pedagógica para esses jovens de comunidades carentes?
Um dos objetivos é contribuir na formação dos jovens. Eu acho que pra poder aprender coisa ruim não precisa entrar numa academia, às vezes a vida ensina e é por isso que temos como objetivo resgatar esses jovens através do esporte e mostrar para eles que há esperança e levantar sua auto-estima, sem estar se envolvendo com coisas erradas, no caminho certo e galgando os seus objetivos para que eles tenham um futuro melhor. Esse é o nosso projeto, contribuir para um jovem melhor.
Seus alunos têm, no geral, de 5 a 17 anos. Quando atingem a idade máxima você continua com eles?
Passando dessa idade continuo. Muitos deles que começaram comigo há 15 anos, hoje são instrutores, profissionais da capoeira. No caso, eles são alunos graduados instrutores. No Abadá Capoeira só existem três mestres, nosso objetivo é fazer com que se valorize o mestre. Para você ser um mestre de capoeira, no meu ponto de vista, você tem que ter um conhecimento mais amplo, uma vivência maior. Então no Abadá nós preservamos a palavra “mestre”, o "ser mestre". Eu, por exemplo, sou professor através da instituição Abadá Capoeira, mas pra você ter um bom trabalho, não precisa ser um mestre de Capoeira, basta você ser um bom profissional, tentar fazer o melhor de si para se tornar um grande capoeirista e um bom profissional que é o que realmente contribui para a sociedade.
Você começou a gingar capoeira aos sete anos de idade, o que te levou a fazer capoeira? O que te atraiu nesse esporte?
Certo dia eu estava passando por uma praça aqui do centro da cidade, ouvi o toque do berimbau, isso me chamou a atenção e parei para assistir. A partir desse momento eu me apaixonei pela capoeira e falei “É isso que eu quero fazer e pretendo nunca mais largar” e estou até hoje.
Quando você iniciou havia esse apoio que o projeto Abadá proporciona hoje em dia?
No passado, a capoeira era muito discriminada. Infelizmente, esse problema é cultural em nosso país, nós somos ensinados a valorizar tudo que vem de fora e desmerecer o que é nosso. Hoje, já houve uma mudança, mas nossas culturas, nossos valores, no geral, ainda não estão no seu devido lugar. Eu lembro que na época, quando eu ouvia rádio, de cada dez músicas que tocavam, nove eram estrangeiras e uma era brasileira e a gente ainda ficava chateado por estar tocando essa música, mas hoje devido a evolução, devido ao aprofundamento do conhecimento da nossa história, estamos valorizando mais nossa cultura. Admiro diversos países lá fora, primeiro vem o que é deles, sem desmerecer o que vem de fora e aqui no Brasil até certo tempo era o que vinha de fora e depois o que é nosso, mas esses valores es-tão se invertendo. Não desmerecendo ninguém, mas acho que nós temos que valorizar a prata da casa primeiro para depois valorizar o que vem de fora.
Por volta dos anos 30, mais ou menos, a capoeira era vista como crime, era considerada um arte marginal e quem gingava podia ser preso por até três meses. Você já sofreu preconceito por fazer capoeira?
Preconceito com certeza sofri pela cor. Eu acho que o brasileiro discrimina tudo, principalmente a raça, mas a gente tem que aprender atra-vés dessa discriminação, a não ficar revoltado, dar a volta por cima e mostrar que nós somos capazes. Por volta de 1930, a capoeira era discriminada, por isso que a capoeira é disfarçada de dança, é uma luta disfarçada de dança, porque no período colonial o negro não podia praticar a capoeira e quando praticava era escondido. E quando o senhor de engenho ou capitão do mato vinha em sua procura ele disfarçava a capoeira em dança, mas na verdade estava praticando a luta para quando fosse preciso ele pudesse se defender.
Quando surgiu a iniciativa do projeto Abadá?
Quando passo a fazer alguma coisa, eu faço com o objetivo de a cada dia subir um degrau. Desde o primeiro dia que eu vi a capoeira, com toda discriminação eu olhei e falei “é isso que eu quero pra mim”,” eu quero ser um profissional”. Na época, meus amigos falavam que não ia dar futuro, que era coisa de vagabundo, aquela discriminação de sempre, mas eu falei “não, é isso que eu quero ser”, “por que eu não posso ser?”. Eu sou uma pessoa determinada, então desde quando eu iniciei, tive esse objetivo de ser um profissional da área e através dela fazer com que as pessoas gostassem da capoeira. Amenizar um pouco a discriminação e procurar analisar porque as pessoas discriminavam. Hoje a capoeira é mais bem vista na sociedade devido ao trabalho social, a postura do capoeirista dentro e fora da academia melhorou. Até porque, procuramos fazer um trabalho de prevenção contra drogas, preservação do meio ambiente e com isso mostrar pra socieda-de que a capoeira pode contribuir muito. Trabalhamos com criança especial, o que eu acho muito importante porque nem todo mundo aceita trabalhar com essas crianças e eu faço isso com carinho e com amor. A capoeira nunca discrimina ninguém, ela é discriminada, às vezes, por muitos, mas ela nunca discrimina ninguém. É aceito tudo, independente da raça, da religião ou da sua limitação física.
Hoje em dia você participa de campeonatos ou prefere só ensinar?
Eu já participei muito, de vários campeonatos: Nacional,Internacional, Municipal e hoje eu sou técnico, eu incentivo meus alunos a participarem. Tenho vários alunos que se destacaram no Brasileiro, nos Jogos internacionais, jogos brasileiros, jogos do interior, fiz cinco campeonatos no nosso município e hoje eu sou mais técnico do que participo. Mas a gente sente falta! Porque quando você gosta, você quer participar da capoeira como um todo, seja numa apresentação, na rua, num clube ou num campeonato. Mas a gente tem um período. A idade vai chegando, tem que passar a bola! E tem a nova geração que está vindo agora, tenho que dar oportunidade para eles! E até mesmo porque a equipe tem limite de pessoas, então conforme a idade chega a gente vai dando oportunidade para eles também fazerem a história deles.
A capoeira é um esporte praticado em mais de 50 países, mesmo assim ela ainda não se tornou esporte olímpico. Você tem esperança de que se torne? Por que você acha que isso não aconteceu ainda?
Existem várias Federações de capoeira, qual é a associação ou federação que vai criar um método de organização para que a capoeira se torne um esporte olímpico? As pessoas que vão apoiar, os empresários no geral, vão apoiar no período olímpico ou vão apoiar o ano inteiro. Porque não se faz um atleta da noite pro dia, você tem que trabalha-lo desde a infância até a fase adulta, prepará-lo. Vai ter escolinha preparando essas pessoas, dando estudo, alimentação, professor de educação física, enfim, toda a estrutura necessária para esse aluno se tornar um grande atleta, como faz Estados Unidos, Alemanha, França e países de primeiro mundo? Ou vai aproveitar só alguns meses antes das Olimpíadas? Se for dessa forma eu sou contra, como eu tenho visto vários atletas de várias modalidades esportivas que só são lembrados em período olímpico. Infelizmente, alguns dão oportunidade para essas pessoas tirarem proveito. Se tentar fazer isso comigo... Não arruma nada! Eu jamais ia dar oportunidade para fazerem isso comigo.
Angra dos Reis é uma cidade voltada para o turismo e existem muitos estrangeiros que vêem rodas de capoeira por aqui. Os estrangeiros se interessam pela capoeira?
Tenho vários amigos que estão no exterior dando aula de capoeira, inclusive muito bem. Foram bons profissionais que aqui no Brasil não tiveram êxito na profissão e contra vontade deles, foram obrigados a irem pro exterior porque lá eles dão muito valor a nossa cultura e lá você realmente tem valor. Agora, por exemplo, tem uma semana que eu cheguei da Europa, fui pra Bélgica, pra frança, pra Áustria, Suécia e Alemanha. O meu sonho era dar uma rodada fora do nosso país pra saber como era a aceitação da nossa cultura lá. E eu me senti bem à vontade porque realmente eles dão muito valor e mais do que o brasileiro, infelizmente. E tive várias propostas pra ficar lá, porque eles quando encontram o profissional da capoeira eles querem segurar porque eles têm dinheiro para isso e eles gostam muito!
Todo esporte tem um órgão que o regulamenta e a capoeira ainda não tem esse órgão que organiza o esporte no Brasil e no mundo. Você acha que é necessário e que iria ajudar na divulgação ter o apoio desse órgão? Iria incentivar mais pessoas a praticar o esporte?
No caso do Abadá Capoeira nós temos a nossa Federação e a Associação de Capoeira, então nós estamos afiliados a uma Associação e Federação, ou seja, se tem uma Associação e Federação nós somos oficializados. Então, todos os integrantes do Abadá têm um cadastramento na Federação e para qualquer curso que o capoeirista vá participar ele entra em contato com a instituição e ela dá a liberação ou não pra a participação, mas geralmente a própria instituição já oferece cursos, seminários e viagens pra podermos aperfeiçoar nosso conhecimento. E cada instituição, hoje, tem uma associação e o Abadá é uma delas.
Existem duas teorias sobre a capoeira, uma é de que ela veio da África com os escravos e a segunda de que na verdade ela surgiu no Brasil e os negros dançavam para expressar o desejo de liberdade. Qual das duas teorias você acredita?
A capoeira é arte, é dança, é luta, é acrobática, é música, é cultura, é folclórica e luta. Muita dizem que o negro veio da África, o negro foi arrancado de lá, vindo contra sua vontade pra trabalhar nos canaviais, nas fazendas. Na África, muitos deles eram reis, tinham sua liberdade, eram pessoas felizes e quando foram trazidos aqui pro Brasil, através de navios negreiros ou tumbeiros, tumbeiro porque lembra tumba, viraram escravos. Então aqui, nos raros momentos vagos, procuravam se divertir através da dança, de sua cultura pra lembrar-se da África, dos seus parentes, da comida, da cultura. Então era uma válvula de escape que o fortalecia pra continuar no dia seguinte a luta, o trabalho árduo, sem direito a alimentação, o negro só tinha direito a apanhar e trabalhar, mais nada. Muitas pessoas têm duvida se a capoeira é brasileira ou africana. Ela é afro-brasileira. É como se ela tivesse engravidado na África e nascido no Brasil, mas especificamente como a Capoeira, na África, não tinha. Porque a capoeira é cultura africana aqui no nosso pais. Na África, devido à rivalidade das tribos, que hoje são países, não se misturavam as culturas. Com a escravidão aqui no Brasil, os negros ficavam juntos, não tinham opção. Hoje existem diversos professores de capoeira dando aula na África, mas igual a capoeira brasileira não existia.
Daiana Rocha Santos
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